IVAN CEZAR INEU CHAVES , Brasileiro, natural de São Sepé/RS Advogado, formado em 1987 pela Faculdade de Direito de Bagé Morou e estudou no Uruguai Foi Procurador do Município de Sant´Ana do Livramento Presidente da Subseção da OAB de São Sepé Presidente da APAE de São Sepé Presidente da SER IGUAÇú de São Sepé Tem trabalhos literários publicados nos sites OVERMUNDO e RECANTO DAS LETRAS e inúmeras crônicas jurídicas veiculadas nos sites JUSBRASIL e ESPAÇO VITAL
sábado, março 21, 2009
Esta imagem tem aos fundos uma tela pintada por um aluno "excepcional" da APAE - um presente que recebí pelo período em que presidí a entidade - uma prova de que as pessoas só merecem uma oportunidade ... e a sociedade raramente oferece essa chance . Deixo aqui o conto "Alface":
A l f a c e
Nunca se soube ao certo o motivo do apelido, mas ele ficou conhecido por toda a geração de alunos da década de setenta como “Alface” – ninguém o chamava pelo nome – ele era simplesmente o “Alface” , o pior aluno , o terror dos professores, a negação total do que poderia se denominar “bom exemplo”, mas ao mesmo tempo era uma espécie de Herói-bandido – o cara que divertia demais aos outros. E por vezes, é verdade, até assustadoramente.
“Alface” era tão irreverente que estando com um dente totalmente corroído e tomado de cáries , decidiu extrair ao invés de trata-lo, pois considerou que seria muito interessante ostentar o “visual” sem um incisivo superior , o que de fato lhe atribuía ares de peculiaridade que combinadas a uma face redonda e gorda povoada de cavidades de acne, transformavam “Alface” num ser , no mínimo , diferente .
Como ele não se apegava minimamente aos compromissos com o estudo, sobrava-lhe tempo para tudo o que os demais tinham de abdicar, de modo que “Alface” sempre estava a par das últimas , trazendo as novidades do esporte, as fofocas da escola e os últimos “hits” do momento, numa época em que só existiam os compactos e os Long-Plays . Sempre atual, ele impressionava a todos e sua presença apenas física no ambiente da escola se destinava a manter essa proximidade com a comunidade estudantil.
Foram muitas as estórias hilárias que “Alface” legou para a posteridade, mas por falta de espaço vamos aqui contar apenas duas delas, para prestar reverência a sua biografia. A primeira foi um dia em que “Alface” fez uma aposta com um grupo de alunos de que permaneceria todo o período da aula de matemática dentro de um antigo armário de madeira maciça que ficava ao lado da mesa do Professor. Iniciada a aula, o mestre logo percebeu um clima diferente e que algo havia de errado ali, mas enfim foi ministrando sua aula.
Murmúrios e nervosismo impregnavam o ambiente enquanto equações e fórmulas eram escritas no quadro negro, até que o velho e vivido professor percebeu muitos olhares dirigidos pelos alunos em direção ao armário e sob um silêncio sepulcral começou a ouvir ruídos vindos do interior do móvel . Abriu a porta e entre a perplexidade e a natural tensão descortinou-se a cômica cena do “Alface” abanando para o Mestre e dizendo-lhe: - O l á . . .
Depois desse episódio e cumprida uma pena de suspensão de quinze dias, “Alface” retornou para o convívio da escola, contando as aventuras que haviam se consumado ao longo das duas semanas de afastamento compulsório e durante algum tempo , resignado pela punição, comportou-se adequadamente.
Logo porém, a mesma turma que o cultuava mas também o incitava, indagou – “e aí não vai aprontar outra ?” Ao que ele respondeu com invulgar determinação- “Calma já comprei um quilo de feijão branco e meia dúzia de ovos” . Ninguém entendeu nada , mas “Alface” logo tripudiou – “seus burros não sabem que feijão branco e ovo cozido rende o pai de todos os peidos...”
Revelada a intenção só faltava escolher a vítima e a sorte recaiu na professora de literatura , uma magricela quase anã, que a turma havia apelidado de Penélope, tal sua semelhança com o personagem dos quadrinhos. Iniciado o período de literatura “Alface” soltou o primeiro de uma seqüência de torpedos, mas já o suficiente para que algumas meninas mais sensíveis passassem mal. Como ninguém se identificava como autor da façanha, a Professora retirou-se enfurecida da sala e só voltou ladeada pela direção da escola.
Depois disso, “Alface” não foi mais visto freqüentando a escola e todos os demais seguiram o rumo de suas vidas, sem nunca mais se saber notícias do rebelde, mas há quem assegure que ele se tornou jornalista ou poeta .
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4 comentários:
Essa crônica em torno do "Alface" é muito poética. A comicidade é um dos traços pra marcar a memória e pelo que você conta, o jeito de ser do Alface diante do mundo certamente vencerá o tempo. Parabens. Bjos.
Desconfio quem é o Alface.
Lindo texto
Ivan, com todo o respeito que lhe devo e não nego, Alface para responder ao meu Ilusão, Desilusão e Sonhos?
Isso é muito subjetivo. Pensei um monte de coisas. Algumas boas e outras nem tanto.
Quero discordar. Mas antes quero deixar claro minha admiração pelo maravilhoso conto. Certo?
Mesmo assim quero discordar. Entre o meu Ilusão, Desilusão e Sonhos e o seu Alface nada há em comum senão a sincera paixão da narrativa. Certo que a Graça tenha respondido a minha inquietação, mas continuo me sentindo incapaz de concluir por mim mesmo no momento.
Sorrio e agradeço grandemente pelo presente de conto. Abraço, amigo e feliz Páscoa para você e para toda a sua família!
Meu amigo Poeta, por alguma razão que a razão não explica, ao colocar na barra de busca o termo Literatura, vim cair na pagina onde primeiramente vislumbrei o maravilhoso conto Alface, que roubou-me toda atenção. Por ser muito gostoso de ler e divertido, ao final fiquei agradecido, mas não entendi o motivo de vir refletir sobre literatura no conto Alface, porém isso deixou de ser importante no momento em que tive o prazer de conhecer a sua prosa, uma vez que já conhecia a sua poesia.
Peço desculpa pelo engano, confesso um leve constrangimento, porém saio enriquecido; e se todo engano nos trouxesse uma prosa tão agradável... amigo, enganar-se seria um objetivo.
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