sexta-feira, outubro 25, 2013

Resguardo 

Eu me resguardo

Em casulo invisível

Alternando ruas

Pois é sabido que existem

Nuas vozes no aguardo

No pó do imprevisível

Que habita entre as duas

E por vezes me anulo

Porque medos persistem

E eu me resguardo

Ah, o destino tem as suas ...

Não caminho e nem pulo

Fujo do vento terrível

Em silêncio e atordoado

Volto quieto ao casulo

terça-feira, outubro 15, 2013

A t e u

 Não espere não
Vá embora
Pois você bateu
E  se quer saber
A dor se demora
Perde-se no céu
Da fé do então
Virado em  ateu
Só se tem no agora
O temor de crer
Sem a tênue ilusão
No  vinho do réu
Ou na côr que dora
A casca do pão

terça-feira, setembro 17, 2013



Dúvida
 Bem antes no tempo
Veio o ensinamento
De um jeito bom
De ouvir o não
 Depois, no movimento
Incessante do tempo
Um arruinado som
a dizer que sim
 E pelo discernimento
Produto do tempo
Com seu devido tom
Uma dúvida no fim





terça-feira, junho 18, 2013

OUTROS TEMPOS

Há um estoque de histórias
Que são de outros tempos
Lembranças leves de mãos leves
De vozes doces e palavras doces

São conjuntos de outros tempos
Miniaturas de um mundo todo
Embaladas no estojo de cima
Como legado fecundo do vivido

Do que foi feito em outros tempos
Quando uma estação era um clima
Onde o banho de sol era um modo

E outro cabia na serra das neves
Mas isso tudo, em outros tempos
Arquivados em curtas memórias

terça-feira, abril 30, 2013


Astúcia

Rasga as folhas de papel virgem
Haverão de arder como lenha
Filhas espúrias da árvore morta
Esmaga bolhas de ar da margem
Buscando decifrar a vadia senha
Cúmplice  de uma história torta

Desde uma outra porta
Aberta ou não
Rasga páginas filhas da fúria
Para escrever então
Uma síntese que comporta
Negar a estrela da cúria

Rasga as folhas de papel virgem
Se nelas não couber o embrião
Mastiga os grãos da vargem
Deixa que a natureza às tenha
Para copular em outra estação
A astúcia dos versos que surgem

terça-feira, abril 23, 2013


Poema a uma instância

Há uma outra instância

Onde cabem respostas

Onde as perguntas morrem

Onde as dúvidas se dissolvem

Percorrendo a distância

Posta  em rotas e apostas

Entre um sítio e uma estância

Num chão que as dores varrem

Há, sim, uma outra instância

De ventania deixada às costas

Onde as mágoas se resolvem

Onde os valores se promovem

Onde a vida é a substância

E as verdades bem dispostas

Cunham frases que comovem

sexta-feira, março 22, 2013


CRÔNICAS DE FAMÍLIA – A LATA DE PÃO



Já perdi a conta de quantos textos escrevi manifestando-me contrário à cultura do consumo que traz consigo como companheiro inseparável o conceito do descarte. Comprar , usar , trocar e descartar , uma sequencia destruidora e – não se enganem – os danos não são apenas materiais , pois não só se estão exaurindo os recursos naturais do planeta, mas e sobretudo, exaure-se muito da essência humana . Nossa espécie é pó e ao pó voltará ...
O lar onde fui criado foi berço de muitos valores e folgo dizer que as mais doces recordações da infância estão atreladas a objetos de uma simplicidade que certamente este relato e sua conclusão contaria com o aval de São Francisco de Assis. Tudo em nossa casa era simples e, por consequência, nós éramos pessoas simples e – penso – continuamos ainda nesse mesmo patamar.
É evidente que nossas vidas mudaram e tanto minha irmã Isane quanto eu nos adaptamos ao estilo de vida comum aos profissionais liberais e, por óbvio , nosso dia-a-dia nem de longe recorda o cotidiano vivido naqueles idos anos das décadas de sessenta e setenta. Ao mesmo tempo essa nova realidade nem remotamente se presta para mitigar a saudade daquele tempo que enclausurou os mais puros e mais ternos momentos de nossas biografias.
Uma dessas lembranças que jamais me sai da memória é a Lata do Pão, que eu grafo em letras maiúsculas para que a simplicidade da coisa não guarde nenhuma proporção com a magnitude do sentimento vertido na lembrança . A Dona América – nossa amada e adorável mãe – guardava o pão numa lata que ficava num canto da cozinha escondido atrás da porta. Nunca entendi porquê a mãe escolheu aquele lugar ...
A lata era apropriada para o fim, pois naquele tempo a indústria de “galletitas” da Marca “Famosa” da cidade uruguaia de Paysandú acondicionava as bolachinhas (galletitas em espanhol) em latas que possuíam um visor de vidro redondo e uma tampa do mesmo formato que permitia acondicionar o alimento com muita higiene e segurança.
Quando desejávamos cortar uma fatia de pão, invariavelmente tínhamos de abrir a gaveta antes e pegar uma faca, pois só assim era possível abrir a tampa da lata . Pois graças aos recursos da internet um dia desses encontrei uma imagem de uma lata idêntica àquela que servia de depósito para o pão que nos sustentou na infância . Então recuperei e avivei as lembranças e decidi pelo texto .
Mais um texto que exalta nosso passado simples – valorosamente simples – que sob o compasso e o ritmo de corações sensíveis e de bons propósitos , ainda nos fazem entender que com muito orgulho, de certa forma , ainda continuamos a buscar o pão de cada dia na velha Lata de Pão preservada atrás da porta do tempo ...

sexta-feira, março 08, 2013


Uma voz

Dissipa-se aquela voz
Que um dia foi leve
palavra inaugural

Espalha-se a voz
Uma outra que ferve
Conteúdo potencial

E agora só se ouve
Uma única voz
Que não é presencial

terça-feira, janeiro 22, 2013

Mudanças




Muitas vezes eu me mudo

Vou para outros mundos

Quase sempre vou calado



Me transformo num mudo

Que ouve só os sons fundos

Saio como viajante marcado



Levo uns registros fecundos

Sempre voltando com tudo

segunda-feira, janeiro 07, 2013

NOITES DE JANEIRO

Claro que para aquelas almas dotadas de sensibilidade mineral, com a pedra impermeável aos fluídos do coração, as noites de janeiro devem passar batidas . Serão iguais a todas as outras, apenas com variáveis apresentações ...da lua e brilhos inconstantes das estrelas.


Para outras almas - e convém dizer que elas existem em abundância - as noites de janeiro serão sempre diferentes, não apenas no amontoado das horas de uma só , mas no conjunto de todas as madrugadas do primeiro mês do ano. São noites inaugurais ...


As noites de janeiro, diferente de todas as demais , descortinam o palco de um ano novo e na renovação que está implícita no presente divino que é mais um período do calendário a servir de cenário para o teatro da vida real . Nele somos todos os seres humanos protagonistas , coadjuvantes e figurantes ao mesmo tempo.


Se o texto só adquire sentido quando abandona o redator aquilo que chamamos de "letra fria" e permitimos que nele se insira o sentimento, então aí os vocábulos incorporam um algo a mais - um valor intangível - e o conjunto inteiro da redação adquire valores, ganha moral , transcende a barreira física do signo inerte ...

É assim que as madrugadas de janeiro devem ser vistas, como as noites que servirão de gestação aos sonhos que haverão de passar pelo milagre da mutação para tornarem-se concretas realizações , e depois - passados onze meses - chegue dezembro, época de balanço e de preparação para novas noites. Noites de janeiro ...